ARTIGO CIENTIFICO

ENSINO CONFESSIONAL X ENSINO LAICO: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PIBID CIÊNCIAS DA RELIGIÃO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS/UNIMONTES - MG

FERNANDES, Fernanda Raissa Souza/ UNIMONTES
ISIDÓRIO, Maria Socorro/ UNIMONTES

RESUMO:Este trabalho apresentará resultados parciais de uma pesquisa de campo do Programa Institucional de Bolsa de Incentivo a Docência/PIBID, fomentado pela CAPES, do curso de Ciências da Religião. Os dados foram coletados em uma escola de Ensino Fundamental e Médio na cidade de Montes Claros/MG, em 2011. Utilizamos como metodologia o Grupo Focal, que consiste em entrevistas coletivas dialogadas. Por meio destas entrevistas podemos constatar que a laicidade do Ensino Religioso garantida pela Lei 9.394/96, em seu artigo 33, ainda não é cumprida totalmente. A proposta do PIBID e do curso é garantir um Ensino Religioso laico visado por lei. Considerando o contexto religioso brasileiro diverso e plural, não é possível a permanência de um ensino confessional em nossas escolas publicas.
Palavras - chaves: Ensino Religioso – Ciências da Religião – Ensino Confessional – Ensino Laico- PIBID/CAPES.
Eixo temático II – Interculturalidade, Currículo e Cotidiano Escolar.

INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende promover uma reflexão sobre a disciplina ensino religiosa a partir de ações desenvolvidas pelo Programa Institucional de Bolsa de Incentivo a Docência, PIBID do curso de Ciências da Religião da UNIMONTES, junto a estudantes de ensino fundamental. No desenvolvimento do trabalho, partimos do pressuposto que o ER deve ser conduzido na escola numa perspectiva científica e laica, uma vez que o estado é laico e o ensino regido por diretrizes legais da educação.
Desse modo, objetivamos neste breve trabalho apresentar dados que nos mostram que a disciplina é conduzida de forma confessional e tendente para uma religião. Dessa perspectiva, esse artigo é fruto de dados coletados junto a uma escola da rede estadual de ensino fundamental e médio na cidade de Montes Claros/MG, no segundo semestre de 2011. Através do PIBID, estabelecemos contato entre a universidade e a escola, focando nas turmas que tinham a disciplina ensino religioso.
No desenvolvimento do trabalho de campo, tivemos como norte as etapas do subprojeto Ciências da Religião em que há a proposta de conhecer estudantes do ensino religioso e seu ambiente escolar a partir da metodologia do Grupo Focal. Como se deu esta dinâmica? Quais foram os dados coletados por esta metodologia? Quais as impressões mais importantes neste primeiro momento causadas nos acadêmicos do curso de Ciências da Religião participantes do subprojeto Ciências da Religião: “Ensino Religioso e Diversidade Religiosa” através do Programa Institucional de Bolsa de Incentivo á Docência (PIBID), fomentado pela CAPES. É o que pretendemos apresentar.
Porém, antes de trazermos os dados e análises, entendemos que se faz necessário fazer uma reconstrução de alguns momentos históricos do ensino religioso no Brasil, ponderando que através do conhecimento histórico da disciplina será possível compreender os problemas enfrentados pela disciplina na atualidade.

1. Esboço do histórico do Ensino Religioso no Brasil

O ensino religioso está presente no Brasil desde a colonização com a vinda de Jesuítas para a catequização dos ameríndios na segunda metade dos anos 1500, se estendendo a partir daí em todos os contextos do país como nas escolas, estando presente até os dias atuais. Partindo desse fato não é difícil compreender que o ensino religioso “no Brasil, nasceu subjugado ao regime vigente, em meio às amarras e o peso de um contexto sócio – político - econômico cultural, que não o permitiu crescer e caminhar com suas próprias penas” (CNBB, 2007, p. 33).
Em sua origem no país, o ensino religioso torna-se refém dos desígnios do Monarca de Portugal e da Igreja Católica, ambos aliançados com interesses de domínio e poder. Nessa época, a disciplina torna-se um meio forjado para expansão de poder religioso e da realeza de Portugal: um garantia o poder do outro. Uma única religião era imposta, havendo a garantia do domínio ideológico de ambos. O ensino religioso nessa época era de inteira responsabilidade da Igreja Católica sendo destinado aos ameríndios, aos africanos e também aos colonos.
Com o fim do Regime Colonial e o início do Monarca Constitucional entre os anos de 1822 a 1889, novos rumos surgem na história do ensino religioso. O cenário brasileiro que possuía duas tendências ideológicas dominantes, a Religiosa Cristã e a Imperial, ganha novas formas inspiradas nos ideais da Revolução Francesa, ou seja, ideais de liberdade e emancipação entram em cena. Neste contexto:
O Ensino Religioso acontece de forma mais privada e domestica do que institucional, [...] enquanto a Igreja, principalmente interessada na educação, passa a atuar mais, através dos leigos agrupados em irmandades, confrarias e ordens terceiras. (FIGUEIREDO, 1994, p. 61)

Os resultados da primeira fase do ensino religioso são contemplados neste momento; no inicio, ele foi utilizado como mecanismo de implantação de um Novo Regime e de uma religião; agora ele dá continuidade aos interesses do Imperador ao lado da Igreja. Este contexto pode ser dividido em duas fases.
Na primeira fase, poucos aspectos diferem claramente o poder que estava nas mãos de um Monarca e passa para as de um Imperador; o mesmo jura manter uma posição de inicio, a diferença é que as demais religiões terão seu espaço garantido por lei, mesmo com várias restrições. Já na segunda fase do regime, “a igreja enfraqueceu as suas relações com o governo do império e recupera, passo a passo, a sua autonomia.” (FIGUEIREDO, 1994, p. 62). Assim, lançam várias publicações de cartilhas, manuais por diversas regiões do país, para divulgação da doutrina cristã.
Se no inicio, o ensino religioso era o meio de doutrinação para uma religião hegemônica, agora ele seria o mecanismo de defesa para escapar das tendências geradas pela Revolução Francesa, uma vez que novas religiões ocupavam o mesmo espaço parcialmente livres. Aqui, o papel da Igreja era orientar seus fieis e complementar nas aulas de ensino religioso escolar.
A partir do ano de 1889 entra em cena o Regime Republicano, ocorrendo à separação entre Igreja e Estado. Nesse período, houve o fim das instituições regalistas, dentre elas, a de religião oficial do país. Assim, dentre as muitas mudanças que ocorreram no Brasil, a mais importante para esta reflexão foi à estabelecida no âmbito escolar. Uma vez estabelecido que “o ‘ensino leigo’ como um das expressões da instauração do estado republicano, o ensino religioso é considerado pela corrente liberada pelo jurista José Soriano como um elemento descaracterizador do novo regime” (CNBB, p. 66).

Mesmo com todo o esforço da Igreja para se manter no poder, sua queda foi inevitável, os idéias revolucionários advindos da Revolução Francesa deram origens a proibições como: “manifestação ou expressão religiosa em setores públicos, principalmente o ER nas escolas da rede oficial.” (FIGUEIREDO, 1994, p. 65). Impedir seu acesso nos horários regulares nas escolas públicas, não foi o suficiente para evitar a catequização fora de seus domínios, pois as escolas católicas privadas continuaram normalmente a sua catequese escolar.

Durante esse período havia duas corrente que discutiam a questão da laicidade do Estado brasileiro: um grupo formado por juristas que apoiava as decisões tomadas e também a exclusão do ER da grade curricular; e outro grupo, de frente católica principalmente, que defendia a permanecia do ER com as prerrogativas herdadas ao longo dos anos.

Houve exceções, “o Governador de Minas Gerais no ano de 1928, diante de protestos dos católicos diante das mediadas de cunho laicizantes introduzidas no sistema escolar, promulgou a lei 1.092/28, que reintroduziu o ensino religioso nas escolas oficiais mineiras” (JUNQUEIRA, 2007, p. 20). O que demonstra uma profunda presença de prestígio por parte do clero mineiro junto à sociedade, ou seja, aqui mais que em outro local não houve de fato uma separação entre Igreja e Estado. Isso também se deu em resultado de uma organização unitária para o ensino da rede publica.

Tal unificação só ocorreu em meio a revoluções como a Revolução de Trinta e o Manifesto de 1932, que tiveram como um dos resultados a responsabilização do Estado na elaboração de um Plano Nacional de Educação (PNE) e extensão da rede de ensino. “Graças a estes acontecimentos a Constituição de 1934, foi alterada constituído como facultativo para os alunos e obrigatório para a escola. Porém em 1937 ele passa a ser facultativo tanto para os estados e os alunos” (JUNQUEIRA, 2007, p.21).

Porém, em 1946, houve uma em reformulação pelo então Ministro de Educação do governo de Vargas, que decreta que o ensino religioso seria facultativo, podendo o aluno ser dispensado mediante um requerimento dos pais ou responsáveis. Esse decreto torna o ensino religioso dúbio e solto, aliás, nas mãos dos condutores educacionais e vale ressaltar que era necessário ter no mínimo vinte alunos dispostos às aulas. Nessa perspectiva, ficava a cargo do estado sua adesão ao ambiente escolar e à autoridade religiosa, o seu conteúdo. Esse fato novamente demonstra o vínculo entre Estado e Igreja Católica.

Permanecendo assim até o ano de 1961, em que, por meio de nomes como “Milton Caíres de Brito, Aliomar Baleeiro, Ataliba Nogueira, Adroaldo Mesquita da Costa, Monsenhor Arruda Câmara, Ferreira de Souza” (JUNQUEIRA, 2007, pp. 31-32), houve novamente uma reformulação, permanecendo a matrícula facultativa, passando a ter o registro pela autoridade religiosa e não pelo sistema de educação. Não há necessidade de limite mínimo por turma, além de ser sem ônus para os cofres públicos. Outro detalhe importante refere-se ao fato de que das turmas a serem formadas de acordo com sua confissão religiosa, permanecendo dentro do ambiente escolar em seu horário regular. Tudo isso não se aplicou ao estado de Minas Gerais.

Entre as décadas de 50 e 60, o ensino religioso ganha novas perceptivas pedagógicas por conta de suas novas características, uma vez que passa de irregular a parte do sistema de ensino. Assim, elementos importantes são introduzidos, como a adoção de planos de aula, de uma linguagem específica, de metodologias, novos recursos didáticos, além da Bíblia e dos livros catequéticos, enfim, em tese tem-se elementos comuns como das demais disciplinas, mas na prática, uma disciplina voltada para objetivos doutrinários.

Entre as décadas de 60 e 70 houve em meio à sociedade um período de grandes reivindicações. Neste período ocorreram transformações, onde a formação escolar passa de humanitária a progressista. Em meio a tantas transformações o ensino religioso passa a ser visto como mecanismo de formação moral. Já na década de 80, com o término de Regime Militar, ocorrem reviravoltas políticas, em que a democracia se arvora e com ela, reformulações como a nova LDB/1996 reformulada em 1997, onde o ensino religioso passa a ter as seguintes características:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito á diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (Redação dada pela lei nº 9.475 de 22.7.1997).

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidades religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (LDB, 1996).


Com a constituição de LDB de 20 de dezembro de 1996, reformulada em 1997, fica declarado que o ensino religioso é uma disciplina escolar, sendo oferecido dentro do horário normal de aula, tendo caráter obrigatório nas escolas de rede pública de ensino, permanecendo de matrícula facultativa ao aluno, sendo considerado com parte integrante da formação básica do cidadão. Alguns dos pontos altos dessa nova dinâmica referem-se ao fato de visar à exclusão de proselitismo, sendo declarado que o sistema de ensino é responsável para elaboração do conteúdo e escolha dos professores, em consonância com as entidades religiosas. Apesar dessas lacunas, há pelo menos a percepção de que, no Brasil, a presença religiosa é diversificada e não inteiramente cristã.

Com a mudança da lei de 9.394/94 em 22 de julho de 1997, o ensino religioso encontra novos rumos, de irregular ele passa a ser uma disciplina escolar, possuindo aspectos regulares como as demais disciplinas escolares, principalmente em seu horário regular. Sendo obrigatório em todas as escolas públicas brasileiras de ensino fundamental. Porem é facultativo aos estudantes os aspectos herdados dos acontecimentos no advento do princípio do Regime Republicano, em que as compreensões do que seja laicidade no país ainda são muito discutidas sem reflexões claras, sendo esta a saída encontrada para vigência da lei.

A ironia é que admiti- se que o ensino religioso é fundamental para a formação do cidadão brasileiro, porém, continua sendo visto e conduzido como catequese em muitos educandários públicos. Outra questão muito importante nesta nova perspectiva é a compreensão de que o país não é completamente cristão, sendo impossível manter-se a mesma índole de quatro séculos atrás. Assim, mesmo que a duras penas e tendo muitas barreiras a ser ultrapassadas, a diversidade religiosa passa a ser pelo menos concebida em algumas escolas. Ao menos na lei, tem-se a disposição do não proselitismo do ensino religioso nas escolas públicas.

Mas, como veremos a seguir, o ensino religioso na escola ainda continua problemático, haja vista os modelos ou tendências que povoam a disciplina e que mostram que a sua identidade ainda não se consolidou no âmbito escolar e nem na cabeça de muitos profissionais da educação. Mas não para nós das ciências da religião.

2. Tendências pedagógicas do Ensino Religioso

Neste tópico apresentaremos tendências pedagógicas que foram implementadas e exercitadas ao longo dos anos na disciplina ensino religioso nas escolas do Brasil e de outros países. Com isso pretendemos ampliar a compreensão da disciplina nas várias dimensões (política, religiosa, educacional, ideológica, etc.).

É coerente ressaltar que as três tendências que serão apresentadas são sínteses e podem variar de estado para estado brasileiro, apesar de ambas ainda vigorarem no Brasil, e às vezes até se misturarem, dependendo do contexto. Estas tendências são também chamadas por alguns autores de modelos e que surgiram ao longo do processo histórico, cada uma há seu tempo representando fases da disciplina ensino religioso. Vejamos com Passos, o que essencialmente esses modelos expressam:

O modelo catequético é o mais antigo; está relacionado, sobretudo a contextos em que a religião gozava de hegemonia na sociedade, embora ainda sobreviva em muitas praticas atuais que continuam apostando nessa hegemonia, utilizando-se, por sua vez de métodos modernos. Ele é seguido do modelo teológico que constrói num esforço de dialogo com a sociedade plural e secularizada e sobre bases antropológicas. O último modelo, ainda em construção, situa-se no âmbito das ciências da religião e fornece referencias teóricas e metodológicas para o estudo e ensino da religião como disciplina autônoma e plenamente inserida nos currículos escolares. Ele tem por meta lançar as bases epistemológicas para o ER, deitando suas raízes e arrancando suas exigências do universo cientifico dentro do lugar-comum das demais disciplinas ensinadas nas escolas. (PASSOS, 2007, p.54).

Os três modelos acima descritos apresentam os estudos de João Décio Passos e como ele mesmo adverte, existem outras tendências apresentadas por outros estudiosos como os de: “Cristina V. Candido [que] apresenta três fontes: os contrários, a CNNB e o FONAPER, sendo que os dois últimos, embora favoráveis ao ER, divergem em sua compreensão, na ótica dos fundamentos confessionais”. (PASSOS, 2007, p.51) O autor ressalta que a tese de mestrado

Gisele do Prado Siqueira apresenta quatro modelos históricos, “o confessional, [...], o ecumênico, organizado entre as denominações cristas e o modelo baseado no estudo do fenômeno religioso sugerido pelo FONAPER e que define o ensino religioso como educação da religiosidade, tendo o pensamento de Paul Tilich e W. Gruen.” (PASSOS, 2007, p. 51). Disso vemos que são várias as tendências do ER assim como suas análises mostrando problemas e desafios que rondam a disciplina. Ampliando nossa visão da disciplina, vejamos os três modelos propostos por Passos em maiores detalhes:

MODELOS DE ENSINO RELIGIOSO
Modelo CATEQUÉTICO TEOLÓGICO CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
COSMOVISÃO Unirreligiosa Plurirreligiosa Transreligiosa
CONTEXTO POLÍTICO Aliança Igreja-Estado Sociedade secularizada Sociedade secularizada
FONTE Conteúdos doutrinais Antropologia, teologia do pluralismo Ciências da Religião
MÉTODO Doutrinação Indução Indução
AFINIDADE Escola tradicional Escola Nova Epistemologia atual
OBJETIVO Expansão das Igrejas Formação religiosa dos cidadãos Educação do cidadão
RESPONSABILIDADE Confissões religiosas Confissões religiosas Comunidade científica e do Estado
RISCOS Proselitismo e intolerância Catequese disfarçada Neutralidade científica
Fonte: PASSOS, 2007, p. 59-67.

A primeira tendência representa os anseios das práticas catequéticas que extrapolaram os muros das Igrejas e se estenderam para outras comunidades. As práticas catequéticas possuíam em âmbitos escolares objetivos apologéticos, de defesa das verdades de Fé Cristã, da doutrina Católica e posteriormente acopla as doutrinas advindas das reformas causadas por Lutero.

A segunda tendência representa as tentativas “para além da confessionalidade estrita, de forma a superar a prática catequética na busca de uma justificativa mais universal para a religião, enquanto dimensão do ser humano e como um valor a ser educado” (PASSOS, 2007, p.60). No entanto, o seu discurso ainda está resumindo a diálogos ecumênicos, ou seja, resumidos a afinidades entre religiões.
Sobre a terceira tendência, o autor sublinha que “trata-se do modelo mais ideal, pouco explicitado, embora embutido em muitas recomendações mais atuais de fundamentação desse ensino, como no caso da proposta do Fonaper” (PASSOS, p. 65). Esta tendência defende o valor da religião na sociedade não como pressuposto de fé, mas como um fenômeno cultural diverso que compõe a realidade humana e que vê religião e religiosidade como aspectos antropológicos e sociais que perpassam a concepção que o homem produz de si, de sua existência e do mundo. Sendo assim, o conhecimento sobre religião trabalhado no ER é parte integrante do currículo escolar que contribui para a formação geral dos sujeitos e é no âmbito educacional que deve ser norteado. A sua abordagem deve ser feita em fundamentos científicos desvinculado de tendências religiosas. Nesse caso, as ciências da religião devem se constituir em seu aporte teórico e metodológico através de uma epistemologia que privilegia os vários aspectos/dimensões da religião, como a social, antropológica, a fenomenológica, a psicológica, dentre outras.

Através da cronologia apresentada acima, vemos que os dois primeiros modelos não possuíam fundamentos científicos. Apesar da posição e propósito das ciências da religião, em muitos casos o ensino religioso ainda continua refém dos outros modelos aqui vistos. Dentre outros encaminhamentos, na perspectiva de Passos, um passo fundamental a ser dado para mudarmos este quadro é a formação do docente do ensino religioso dentro de um quadro epistemológico definido e consistente. Esse é um passo muito importante que devemos assegurar em nossa luta por um ensino religioso autônomo e científico. As ciências da religião tem uma palavra sobre isso.

Sobre o tempo do surgimento das ciências da religião como disciplina acadêmica, Usarsk esclarece que: “Primeira, enquanto a Ciência da Religião como matéria acadêmica institucionalizada nas universidades européias estabeleceu-se somente na segunda metade do século XIX, um saber sobre religiões já era comprovado desde a antiguidade grega” (USARSKI, 2006, p. 15). Os estudos da religião sempre estiveram presentes nas sociedades, seja de forma teológica para a afirmação de uma doutrina ou investigativa, para o entendimento dessa dimensão humana, sendo a segunda considerada como falsa.

As ciências da religião são tidas como uma filha emancipada da teologia, ou seja, ela se desliga de um antigo laço teológico cristão, tendo em vista o fato religioso como objeto de estudo, assim como outros. Vale ressaltar que ela ainda não possuía esta nomenclatura, o que vai acontecer somente em 1837 como os cursos institucionais de história da religião que ganha a nomenclatura. “No Brasil, a Ciência da Religião é uma disciplina relativamente nova” (USARKI, 2006, p. 23).

Atualmente estudos sobre o tema ganharam novos rumos, deixando os âmbitos exclusivos das religiões sendo estudado nas academias. O saber acumulado por este processo acadêmico é intitulado de CRE que possui aspectos metodológicos sistemáticos próprios, para além dos círculos religiosos. Essa breve incursão ao universo do ER, sua trajetória no Brasil, foi um prelúdio que julgamos necessário para apoiarmos nossas impressões das coletas de campo, que serão apresentadas a seguir.

3. Apresentação de dados sobre Ensino Religioso na sala de aula

Nesta parte do trabalho apresentaremos dados relativos à nossa investigação sobre a disciplina ER trabalhada numa escola do sistema público estadual. A metodologia utilizada para o levantamento foi o Grupo Focal, que possibilitou um primeiro contado mais humano entre Universidade e Escola além de fazer surgir algumas das inquietações deste trabalho, influenciando no desejo de escrevê-lo e socializá-lo. Grupo Focal é uma metodologia que:

Pode ser considerado uma espécie de entrevista de grupo, embora não no sentido de ser um processo onde se alternam perguntas do pesquisador e respostas dos participantes. A essência do grupo focal consiste justamente na interação entre os participantes e o pesquisador, que objetiva colher dados a partir da discussão focada em tópicos específicos e diretivos (por isso é chamado grupo focal). É composto por 6 a 10 participantes que são familiares uns aos outros. [...] Sua duração típica é de uma hora e meia. (LERVOLINO, 2001, p. 116)


Trata-se de uma metodologia que privilegia a subjetividade, em que através de questões estruturadas, promove-se sutilmente uma discussão estruturada onde cada um ao seu tempo, coloca sua visão, ponto de vista e até crítica acerca do tema em foco; como objetivos específicos, conduzida através de perguntas estruturadas, em que um facilitador deve conduzir de forma neutra e imparcial o processo. Mais do que puros informes, o grupo focal se bem conduzido, pode propiciar sentimentos valores e idéias acerca do que se investiga. Uma das vantagens dessa metodologia é que:

Revela uma variedade de opiniões sobre um determinado tópico. Ajuda a esclarecer ou validar informação recolhida através de entrevistas individuais, pesquisa ou outros métodos de recolha de dados. Pode conduzir à novas informações importantes tanto para os facilitadores quanto para o grupo de participantes. (Guião de Implementação Técnica, s.d., p. 01).

A realização do Grupo Focal possibilitou conhecer práticas educacionais da escola parceira, principalmente do ensino religioso, nosso foco de pesquisa. Os dados coletados trouxeram surpresas e confirmação do nosso postulado sobre a abordagem confessional da disciplina por parte da professora. Tendo consciência do desafio lançado, tivemos uma prévia do quanto nossa intervenção via PIBID é necessária na escola. Problematizações surgiram durante a coleta e sistematização dos dados coletados na escola parceira. Vejamos o que os dados nos apresentam.

3.1. Dados do Grupo Focal

Os levantamentos de dados ocorreram nos os dias 21 e 22 de novembro de 2011, no turno matutino da escola. As perguntas foram aplicadas em uma turma do nono ano da escola parceira e ao todo foram entrevistados 25 estudantes; dividimos os estudantes em três Grupos Focais. Na apresentação dos resultados, usaremos respostas dos estudantes e gráficos, além de nossas impressões.

Questão 1: O que você mais gosta e menos gosta nas aulas de Ensino Religioso?
Aluno 1: Gosto das aulas porque ensina valores, mais não gosto da maneira como a professora nos trata, como crianças.
Aluno 2: Gosto das aulas, mais não gosto quando a professora (...).
Aluno 3: Gosto porque ensina valores.

A partir das afirmativas é possível conhecer um pouco da relação professor e aluno na escola parceira. Neste ponto vale ressaltar que a formação dos alunos ocorre por meio das redes de relações que constituí uma dinâmica social. O professor deve estar atento às personalidades dos alunos, pois não é aquele que apenas transmite conhecimento, afinal, há uma contribuição na formação da personalidade do educando. V

Questão 2: Você considera as aulas de Ensino Religioso importante? Por que?
Aluno 1: Sim, considero porque ensina valores.
Aluno 2: Considero.
Aluno 3: Importante, claro.
Esta pergunta gerou polemica como a primeira, sendo respondida de maneira rápida e curta; novamente houve um domínio de respostas semelhantes, todas muito ligadas ao conteúdo aplicado pela professora em sala de aula; raras foram as respostas diferenciadas. Vejamos as porcentagens ilustradas no gráfico abaixo:

Questão 3: Que sugestões você pode dar para melhorar as aulas de Ensino Religioso?
Aluno 1: Mais participativa, pedindo a opinião dos alunos e conversando com o professor porque eu acho ensino religioso não é só matéria mais sim para ensinar.(sic)
Aluno 2: Gostaria que as aulas fossem [conduzidas] com a colaboração de todo mundo, tipo assim, principalmente eu né, por que ela só fica copiando matéria no quadro, passando atividade e aí quando ela para pra explicar ... não explica direito as coisas, dai eu gostaria que fosse com a participação de todo mundo e que ela explicasse direitinho.(sic)
Aluno 3: Que todos os alunos concordassem [fossem “contemplados” em suas expressões religiosas] com a aula dela porque tem vários alunos de varias religiões; tem uns que é de outra religião que não segue a mesma religião da nossa [católica]. (sic).

Nestas repostas é visível a reflexão sobre a pratica pedagógica da professora. A metodologia na opinião dos estudantes gera insatisfação, grande parte deseja aulas mais dinâmicas com a participação de todos. Outros gostariam que as aulas apresentassem um leque maior de religiões, considerando que nem todos estão vinculados às mesmas concepções religiosas. Ainda vemos aí os danos causados pela falta de formação específica, como neste caso, a professora é formada em Normal Superior e não em ciências da religião. A professora tende a assumir suas convicções religiosas como fonte de saberes, manifestando-as e transmitindo-as consciente ou inconscientemente em sala de aula e aos estudantes. Vemos, nesse caso, uma homogeneização da diversidade religiosa (ou homogeneização do saber do fato religioso) assim como da interculturalidade presente na sala de aula. Abaixo o gráfico e seus dados:

A quarta pergunta almejou sugestões para as aulas de ensino religioso. As respostas não apresentaram detalhes como esperado; novamente foram respostas rápidas. Em geral a maioria compreende que não há interação entre professor/aluno. Veja a seguir:

Questão 04: Como você gostaria que fossem as aulas de Ensino Religioso?
Aluno 1: [Deveria] Envolver os alunos em trabalhos voltados para matéria sobre direito, sobre ética na dinâmica tentasse por assim dizer.(sic).
Aluno 2: Envolver mais o tema[trabalhar as diversas religiões e as cosmovisões].(sic).
Aluno 3: Participação entre aluno e professor, com exemplo um teatro. (sic).

Questão 5: Quais são as principais reivindicações em relação ensino aprendizagem?
Aluno 1: Falta muita participação dos alunos porque há muitos que não tem interesse pelo ensino. Talvez se houvesse um verdadeiro acordo: vamos ter semana que vem uma coisa diferente.
Aluno 2: Avisar que vai ter prova amanha semana que vem.
Aluno 3: Não só passar matéria e depois prova.

A maior reivindicação dos alunos se refere a aulas mais dinâmicas e, diríamos, mais significativas; em contrapartida, no quesito relação humana, reivindicam um tratamento igualitário não havendo preferência por um grupo especifico. Isso coloca em evidência o quanto esses jovens se sentem tratados de forma desrespeitosa e com descaso, mostrando o espaço escolar não como espaço de construção coletiva de significados, mas, antes, de confronto social.

Questão 07: quais dificuldades são sentidas por você em relação aos desafios de ensino e aprendizagem do Ensino Religioso?
Aluno 1: Eu acho que nenhuma.
Aluno 2: Em relação ao ensino aprendizagem, eu não tenho nenhuma.
Aluno 3: Não tem nenhuma.

As resposta variaram entre afirmações como não sendo permissível a ocorrência de dificuldades. Ora, os estudantes nos disseram claramente que a professora os tratam como crianças, não explica de forma satisfatória, pois ao expor os temas, o faz de forma unilateral, como se ali tivesse pessoas incapacitadas de dialogar, se posicionar, acrescentar, enfim, produzir. As avaliações, quando são passadas, são dadas as respostas já na distribuição das folhas. Isso tudo é desolador para jovens que o tempo todo são confrontados em sua inteligência, sua capacidade crítica, sua subjetividade.

As respostas expostas nos tópicos acima nos mostraram o processo ensino/aprendizagem da disciplina ao longo dos anos e também na atualidade. Percebemos que a disciplina ainda se encontra arraigada às tendências anteriores à proposta pelo curso das CRE e também aos moldes do FONAPER. Como exposto, o modelo de ensino religioso na perspectiva das ciências da religião, é prova viva das implicações metodológicas ao longo dos anos. Os dois primeiros são herdeiros de um longo processo históricos impregnado de cargas ideológico - teológicas, que visam acima tudo, supremacia religiosa. O último modelo proposto visa à educação ampla fora dos domínios ideológicos religiosos e pautados numa ótica cientifica das ciências da religião compreendendo a dimensão religiosa de forma diversificada.

Não se trata de perceber a religião como um fenômeno particular de um grupo, mas como um fenômeno múltiplo pertencente à sociedade, digno de ser compreendido à luz da cientificidade e não em campos confessionais. Considerando que o ato de transmitir o conhecimento religioso é anterior ao próprio ensino religioso, na realidade, religião e educação pautada na mesma nascem praticamente juntas.
O ensino em prol da religião pode ser dado por qualquer fiel árduo, mais o ensino voltado para a pluralidade religiosa, só pode ser feito por um profissional devidamente capacitado. Assim, “uma questão é estudar religião para ser mais religioso, para professar fé em seus princípios; outra é estudá-la para purificar a fé racionalmente, caso típico da teologia; outra, ainda, é estudar religião para simplesmente compreende-la melhor.” (PASSOS, 2007, p. 30). É comum para leigos na disciplina interpretarem-na como um meio de ensinar religião, traços herdados dos dois primeiros modelos.

Mas, por que estudar religião? Ora, porque religião é um tipo de conhecimento que faz parte da existência humana, como os demais. Religião é algo que faz parte do universo das grandes questões humanas acerca da vida. Ela é um meio encontrado pelo ser humano para responder suas inquietações mais íntimas, ela se figura em uma válvula de escape para o homem frente à um mundo cheio de incertezas e duvidas. A religião comporta a dimensão transcendental do ser humano. Frente a questões tão contundentes para o homem, pensamos que somente um profissional capacitado tem a compreensão necessária e o suporte teórico para trabalhar o fenômeno.
Os traços herdados dos dois primeiros modelos causam um profundo desafio à disciplina e também ao curso, devido ao longo processo, ainda há muitos profissionais dentro desses padrões, que não atuam dentro da proposta da legislação vigente no Brasil. Como dissemos anteriormente, ciências da religião é uma disciplina nova no Brasil e suas bases base para ER, mais recente ainda.

Temos também a questão da epistemologia, ou seja, “sem uma base epistemológica não há, a rigor, o que ensinar em termos de área de conhecimento.” (PASSOS, 2007, p.69); a segunda é a “vala histórica comum dessa problemática é o lento desenvolvimento do ensino superior no Brasil e a ausência dos estudos de religião no âmbito da comunidade cientifica, tardiamente constituída em nossas instituições acadêmicas” (PASSOS, 2007, p.69). Como foi possível perceber pelo histórico, por um longo tempo a disciplina esteve desvinculado das academias, não sendo vista como uma área de conhecimento disciplinar e muito menos como conhecimento laico. Partindo desta visão a disciplina tem seu conteúdo sobre as responsabilidades das Igrejas.
Numa outra linha de entendimento, vemos o estudo da religião nas escolas, como um princípio para a formação cidadã, postulado sem qualquer vínculo religioso, compreendendo que não existem verdades ou não religiosas, mas existem religiões e religiosidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, apresentamos dados acerca da disciplina ensino religioso, advindos de uma pesquisa de campo. Para o levantamento utilizamos a metodologia de GF, que nos proporcionou dados necessários para essa reflexão. A mesma mostrou que a prática sem a teoria é insustentável, gerando relações insuportáveis e desgastando uma possibilidade de processo educacional.
A partir desse entendimento, temos claramente não só a importância de uma formação específica para o profissional da educação, como a compreensão de que o ensino religioso fundamentado nas ciências da religião pode promover: uma educação para a cidadania e para a humanização dos sujeitos, a partir do respeito à religiosidade humana, aos valores de cada tradição religiosa e à efervescência orgânica da interculturalidade. Nesse sentido, é necessária uma reelaboração nas grades curriculares e também o desenlace com modelos catequéticos e teológicos, pois a disciplina é trabalhada em uma instituição laica, de modo que deve ser regida sobre a base da laicidade, não de tendências religiosas estritas. Por fim, propomos uma disciplina pautada na epistemologia do curso, que é a que mais se aproxima da proposta da legislação atualmente e a que de fato atende ao perfil do estudo das religiões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Lei. 9.394 – Diretrizes Brasileiras para a Educação – “Lei Darcy Ribeiro” 23 de dezembro de 1996.

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