ARTIGO PIBID COLETIVO

O EMPREGO DE TEMAS ALEATÓRIOS NAS AULAS DE ENSINO RELIGIOSO: RESULTADO DE PESQUISA DO PIBID - CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS/ UNIMONTES - MG

ISIDÓRIO, Maria Socorro (coordenadora do PIBID CRE)
FERNANDES, Fernanda Raissa Souza (bolsista do PIBID CRE)
SANTOS, Imaculada Cardoso (bolsista do PIBID CRE)
FERREIRA, Deuzilene José (bolsista do PIBID CRE)

RESUMO: Este trabalho apresentará resultados parciais de uma pesquisa de campo do Programa Institucional de Bolsa de Incentivo a Docência- PIBID, incentivado pela CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do curso de ciências da religião da Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES. Os dados registrados foram coletados em uma escola pública estadual, junto a estudantes do ensino fundamental acerca da disciplina ensino religioso, na cidade de Montes Claros – MG, em 2011. Objetivando realizar uma investigação voltada para um diagnóstico escolar de forma mais ‘orgânica’, ou seja, com dados mais qualitativos, utilizamos como metodologia grupo focal (GF), que consiste em realizar entrevistas coletivamente, em torno de um tema (foco). Uma das vantagens desse método de levantamento é o envolvimento que ele propicia entre os entrevistados, captando sentimentos e ideias acerca do que se quer saber pela via de um diálogo produtivo e esclarecedor. Além disso, podemos perceber o subjacente, o não dito sobre o tema focado. Juntamos aos dados trazidos pela metodologia GF, alguns pressupostos do FONAPER (Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso) sobre o ensino religioso e reflexões de estudiosos da área, na tentativa de, mais do que apresentar dados crus, refletir sobre aspectos curriculares e metodológicos da disciplina, a partir do seio do processo educacional. Os dados e as impressões dos estudantes nos deram chaves que abriram portas para que entrássemos no universo da sala de aula e da disciplina. Tal adentramento nos mostrou inicialmente que temos desafios pela frente, porém, nos estimulando.
Palavras- chave: Ensino religioso – PIBID - Ciências da Religião.

ABSTRACT: This paper presents partial results of a field survey of the Institutional Bursary Incentive Teaching-PIBID, encouraged by CAPES, Coordination of Improvement of Higher Education, the course of religious studies at the State University of Montes Claros-UNIMONTES. The recorded data were collected in a public school, with students of elementary school religious teaching of the discipline in the city of Montes Claros - MG, in 2011. With the objective to conduct research toward a diagnosis school more 'organic', with more qualitative data, we used focus group methodology (GF), which is to conduct interviews collectively around a topic (focus). One advantage of this survey method is that it promotes the involvement of the interviewees, capturing feelings and ideas about what you want to know through fruitful discussions and enlightening. Moreover, we can see the underlying, the unspoken focus on the theme. The data brought together by the GF method, some information FONAPER (Permanent National Forum of Religious Education) on religious education and reflections of scholars in the field, in trying, to show than presenting raw data, reflect on curricular and methodological aspects of the discipline , from within the educational process. The data and impressions of the students gave us keys that opened doors to the universe we entered the universe classroom and discipline. Theses discovered initially showed us that we have challenges ahead, but to stimulate us.
Keywords: Religious education - PIBID - Religious Sciences.


INTRODUÇÃO
A educação para a cidadania é educação para a vida, e o
estudo da religião tem uma palavra a dizer nessa tarefa urgente
João Décio Passos

A pesquisa debruçou-se sobre um contexto prático do Ensino Religioso (ER), de uma escola pública estadual da zona urbana da cidade de Montes Claros, sertão das Minas Gerais, com o objetivo inicial de realizar um diagnóstico escolar/educacional. Tal propósito surgiu a partir da implantação do PÍBID ciências da religião na escola e diz respeito ao primeiro eixo do subprojeto - que era realizar um diagnóstico. Desse ponto de partida, pretendemos, inicialmente, conhecer o terreno no qual iríamos adentrar e, extensivamente, conhecer os estudantes e as concepções deles acerca da disciplina ER, focando o processo ensino – aprendizagem e os meandros que o compõem. Ressaltamos que a metodologia utilizada, no levantamento dos dados, foi o Grupo Focal (GF), que será explicitado a seguir. Como veremos adiante, os dados coletados trouxeram surpresas e mostraram desafios, se transformando em impulso para investigação e escrita deste trabalho. Esclarecemos que realizamos entrevistas com mais de 25 estudantes, mas, neste trabalho, apresentaremos uma pequena parcela do universo imposta pelos limites da abordagem e do espaço; porém, os dados se afiguraram em sólidas fontes de referências para análise.
Engajados em uma luta pela implantação de um Ensino Religioso regido de forma científica, autônoma e em base das Ciências da Religião, pensamos que este trabalho poderá contribuir com a disciplina no seu reconhecimento enquanto área de conhecimento importante na formação de quadros de sujeitos mais conscientes de que cidadania envolve liberdade de exercício de ‘direito de ter direito’, como por exemplo, o de poder assumir sua religião em qualquer lugar sem ser criticado por isso.

1. Ensino religioso na prática: um olhar e um falar

Grupo Focal é uma metodologia de levantamento de dados, rápida e prática, que funciona através de perguntas e respostas direcionadas em forma de discussão. É estruturado por um grupo específico de pessoas e conduzido por um mediador que fará perguntas, previamente elencadas e pautadas no tópico (foco), que se deseja elucidar. Cada pessoa responderá a mesma questão ao seu tempo. Essa metodologia é importante, também, porque, se bem conduzida, pode trazer à baila sentimentos e atitudes dos entrevistados a respeito do tema. Sobre este aspecto, Lervolino e Pelicioni (2001) asseveram:

O grupo focal pode ser utilizado no entendimento das diferentes percepções e atitudes acerca de um fato, prática, produto ou serviço. (...) Pode ser considerado uma espécie de entrevista de grupo, embora não no sentido de ser um processo onde se alternam perguntas do pesquisador e respostas dos participantes. A essência do grupo focal consiste justamente na interação entre os participantes e o pesquisador, que objetiva colher dados a partir da discussão focada em tópicos específicos e diretivos (por isso é chamado grupo focal). É composto por 6 a 10 participantes que são familiares uns aos outros. Estes participantes são selecionados por apresentar certas características em comum que estão associadas ao tópico que está sendo pesquisado. Sua duração típica é de uma hora e meia. (P. 116).

Foi através desta metodologia, junto a discentes do 9º ano da escola investigada, que veio à tona um tema instigante, qual seja: a abordagem de temas avulsos nas aulas de ER, desvirtuando o seu propósito que é abordar e estudar o fenômeno religioso como um todo. Como estávamos realizando um diagnóstico educacional, as perguntas iniciais versaram sobre aspectos gerais do ambiente escolar, as quais foram respondidas entre variáveis de sim ou não. Alguns até se esforçaram para dar respostas mais explicativas, enquanto outros nem tanto. Vale ressaltar que as respostas que de fato nos interessavam eram as relacionadas ao ER, uma vez que são elas que consubstanciam as nossas análises. Vejamos os dados:

Pergunta: VOCÊ CONSIDERA AS AULAS DE ENSINO RELIGIOSO IMPORTANTE?POR QUE?

De acordo com as respostas, a maior parte dos estudantes (72%) concebeu o ER como uma aula que aborda valores importantes para a formação deles, porém, de uma forma vaga, porque foi dito que a disciplina traz também, outras abordagens; percebemos, por exemplo, que o tema valor surge como um guarda-chuva para todo tipo de tópico e, como poderemos verificar abaixo, junto a depoimentos de outros estudantes parece que não é claro para eles do que trata a disciplina.

Em relação ao segundo tópico da pergunta acima, a resposta curiosidade refere-se a outras religiões, ou seja, ao fato de a disciplina abordar, às vezes, aspectos de religiões diversas da cristã, carro-chefe da disciplina na escola. Nessa perspectiva, parece-nos que a forma como a disciplina é conduzida didaticamente aparenta não se tratar de conhecimentos científicos e importantes para a formação dos discentes. Desse modo, uma parte significativa de estudantes demonstrou, em termos gerais, um desejo por mudança. Vejamos, nas respostas seguintes, relatos de incompreensões:

“_ Você considera as aulas de ER importantes? Por quê?
Estudante 01:
Vou ser sincero, mais ou menos; [mais] por menos; por que ensinar que não deve beber? A gente já sabe! Acho que a gente aprende aqui [com o ER] a vida e a Igreja [já] ensina. É bom seria aprofundar no que não sabe (sic).
Estudante 02:
Sim, considero porque ensina valores.
Estudante 03:
Sim, porque fala de vários valores.
Estudante 04:
Por que ensina que não se deve beber, fumar e usar droga. (sic)”

Nesse caminho, notamos que a fala do Estudante 01 é crítica e mostra incompreensão acerca da identidade da disciplina. Assim, nas dobras de sua fala, percebe-se uma indagação acerca dos conteúdos trabalhados, o que pode ser evidenciado no término de sua fala, quando destaca: “seria bom aprofundar no que não se sabe”. Então, o que não se sabe? Em quê aprofundar? Certamente, não estamos falando de questões gerais envolvendo valores ou moralidade, de padrão de uma sociedade ou cultura, mas de um fundamento curricular que toda disciplina tem e pelo qual se norteia, como propõe o FONAPER:

O Ensino religioso, como toda área do conhecimento, tem uma prática docente própria. É o como fazer, sem espontaneísmo (...). Tem uma intencionalidade e uma direção. É o como tratar do conhecimento religioso na sala de aula. (...). Como área do conhecimento, trata do conhecimento religioso. E esse conhecimento, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino religioso (PCNER), não é uma mera informação de conteúdos religiosos, um saber pelo saber. É um conhecimento que, numa visão pedagógica progressista, oportuniza o saber de si: o educando conhecerá, ao longo do Ensino fundamental, os elementos básicos que compõe o fenômeno religioso para que possa entender melhor a sua busca do Transcendente. (FONAPER)

O FONAPER é um Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso é uma associação civil de direito privado, de âmbito nacional, sem vínculo político-partidário, confessional e sindical, sem fins econômicos, que congrega, conforme seu estatuto, pessoas jurídicas e pessoas naturais identificadas com o Ensino Religioso, sem discriminação de qualquer natureza. Fundado em 26 de setembro de 1995, em Florianópolis/SC, vem atuando na perspectiva de acompanhar, organizar e subsidiar o esforço de professores, pesquisadores, sistemas de ensino e associações na efetivação do Ensino Religioso como componente curricular.
Á luz destes nortes, o ER, como as demais disciplinas, visa desenvolver, nos estudantes, o senso crítico e a tomada de consciência acerca de questões gerais, mas, principalmente, as que circundam a vida, no aspecto religioso, em que, cada vez mais, é comum posturas de intolerância religiosa, que, por conseguinte, geram vários tipos de violência. Estes aspectos estão presentes em nossas sociedades plurais, que impõem a não hegemonia de uma etnia ou de uma única expressão religiosa, pois somos mestiços com sangue indígena, português e africano, preponderadamente, correndo em nossas veias. Dessa maneira, não tratar destas questões com nossos estudantes, é aliená-los.

Ensinar valores religiosos não é o que propõe o ER, muito menos tratar de verdades religiosas, fazer catequese ou reforçar a existência de deus ou deuses, pois não somos teólogos e não temos compromisso com nenhuma instituição religiosa, ademais, a escola não é um espaço para esse tipo de postura. O ER que queremos trabalhar, na escola, é fruto de uma área de conhecimento autônoma (ciências da religião) que estuda o fato religioso em suas dobras e sob várias perspectivas, entendendo que religião compõe a base cultural do homem e compõe o patrimônio cultural da humanidade. Nesse prisma, é válido pontuar que:

O Ensino religioso através de seus conteúdos proporciona o conhecimento dos elementos básicos que compõe o fenômeno religioso. Esses conteúdos, numa seqüência cognitiva (...), fazem parte dos eixos organizadores do Ensino religioso: Tradições Religiosas, Teologias, Palavras sagradas, Ritos e Ethos que se sustentam na diversidade cultural e religiosa do Brasil. Assim, conhecer, também no Ensino religioso, é valorizar a trajetória particular de cada grupo, proporcionar a convivência fraterna de modo que o educando possa vivenciá-la. FONAPER.


Em consonância com Sena (2007) temos em claro que o objetivo das ciências da religião “é distinguir educação da religiosidade e educação do cidadão, incluindo nessa última a dimensão religiosa, enquanto algo presente no individuo e na sociedade”. (P.35). Desse entendimento, ressaltamos a importância de uma preparação adequada para o profissional regente da disciplina ER. Isso é percebido nas entrelinhas das respostas dos estudantes pesquisados que, decepcionados com a professora e a falta de preparação dela para o ER, não gostam da disciplina e não veem sentido nas aulas, como podemos verificar nos excertos abaixo:

“Estudante 05:
Acho que [as aulas] deveria(m) ser mais interessante(s). Nas outras matérias sempre aprendemos coisas novas enquanto na de religião fica sempre no mesmo foco.
Estudante 06:
Eu não estou nem aí, não ligo para isso. É que eu não gosto, não gosto das aulas.

Estudante 07:
Tirar a professora não faz diferença, porque eu gosto dela. Só que para mim, religião não faz diferença, porque pra mim não terá um valor muito grande no futuro, então se tirar ou deixar, tanto faz. As outras disciplinas trazem o que será importante pra nós no futuro não fica batendo na mesma tecla igual religião. As outras sempre mudam.

Estudante 08:
No caso assim... Se em uma religião começar a falar da minha (católica), aí sim poderia me ajudar porque teria um conhecimento mais profundo da minha religião. Só que, como não vejo nada da minha religião mais profundamente, não faz diferença.”

A professora, em evidência, trabalha com a disciplina ER, porém, é formada em pedagogia, o que acarreta um problema, pois a condução da disciplina se dá de forma errada. Através de nossas observações de campo, percebemos, por exemplo, que a tendência dela, nas aulas, é cristã católica, baseada em conteúdos fragmentados, isto é, temas fortuitos (bondade, verdade, valor) e acríticos. Diante do explícito, é salutar enfatizar que se o profissional da disciplina não entender que há uma profunda diferenciação de educar para a religião e compreender o fenômeno religioso como múltiplo e diverso, não haverá construção crítica de saberes, ficando sem fundamento a disciplina. Acerca do que foi postulado, Sena (2007) adverte:

Com efeito, o conhecimento, do ponto de vista pedagógico, destina-se á formação do sujeito, o que faz com o ato de ensinar e aprender se torne um ato carregado de valores e finalidades que vão além da mera informação e da reprodução dos resultados alcançados pela ciência. Assim podemos compreender que a pedagogia tem o mérito de estabelecer um elo, implícito ou explicito, entre o conhecimento puro e sua função formativa; entre os meios metodológicos e as finalidades éticas. (P. 37 - 41).


Sob essa égide, o pedagógico reflete, também, uma epistemologia específica para compreender o fenômeno religioso, o que implica uma postura ética. Como trabalhar uma área de conhecimento humano sem um mínimo de preparação e compreensão? Conforme já dissemos, são as ciências da religião que vão dar subsídios para uma práxis concreta; para a questão da formação adequada, bem como uma epistemologia específica e o como conduzir o processo, em nosso caso, do ER. Isso implica uma postura, acima de tudo, ética, em que o respeito pelo outro (educando) envolve uma preparação adequada, pois estamos comprometidos com a cidadania e com o desenvolvimento das outras pessoas.

Considerações Finais

Neste trabalho buscamos apresentar dados acerca da disciplina ER, advindos de uma pesquisa de campo, ainda em andamento. Nesse caso, trouxemos elementos parciais, porém significativos. A metodologia grupo focal foi produtiva e se enlaçou ao que tínhamos em mente, mais do que colher dados, queríamos levantar impressões sobre a disciplina pela fala dos sujeitos da experiência.
As impressões dos estudantes nos mostraram que a prática educacional sem uma qualificação adequada e sem uma base teórica adequada à área do conhecimento é insustentável, gerando relações insuportáveis e desgastando uma possibilidade de processo educacional. Apesar da pesquisa ainda estar em andamento, temos em claro a compreensão de que o ensino religioso fundamentado nas ciências da religião pode promover junto às demais áreas de conhecimentos, uma educação para a cidadania e para a humanização dos sujeitos, por meio do entendimento e do respeito à religiosidade humana, aos valores de cada tradição religiosa e à efervescência orgânica da interculturalidade.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONAPER. Ensino religioso: Referencial Curricular para Proposta Pedagógica da Escola. IN. http://www.fonaper.com.br. Acesso em 14/06/2012.

GRESCHAT, Hans- Jürgen. O é Ciência da Religião? Trad. Frank Usarski. São Paulo: Paulinas. 2005. (Coleção Repensando a Religião).

IERVOLINO, S. A., PELICIONI, M.C.F. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promoção da saúde. Rev. Esc. Enf. USP, v. 35, n. 2. Jun, 2001. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v35n2/v35n2a03.pdf. Acesso em 17/06/2012.

PASSOS, João Decio. Ensino religioso: construção de uma proposta. São Paulo: Paulinas. 2007.

RUDELL, Pedro. Educação religiosa: fundamentação antropológico-cultural da religião segundo Paul Tillich. São Paulo: Paulinas. 2007.

SENA, Luzia (org.). Ensino religioso e formação docente: Ciências da religião e ensino religioso em dialogo. 2 ed. São Paulo: Paulinas. 2007.